Para onde caminha a geração de energia do Brasil?
Em meio a danos ambientais cada vez mais aparentes no mundo, especialistas defendem o uso de energias renováveis para diminuir impactos como a emissão de gases de efeito estufa e o aquecimento global. Um dos meios para isso é a substituição do petróleo como elemento principal da matriz energética global por formas de maior eficiência, como solar e eólica. Segundo o diretor do Departamento de Desenvolvimento Energético do Ministério de Minas e Energia, Carlos Alexandre Pires, essa é uma das principais linhas de investimento do governo federal em geração de energia.
O Brasil tem pouco mais de 40% de sua energia gerada por fontes renováveis. Em relação à geração de eletricidade, as hidrelétricas são as principais forças, responsáveis por 64% da produção. No entanto, a matriz ainda pouco diversificada não garante segurança energética, resultando muitas vezes em problemas de abastecimento, como a crise enfrentada pelo Brasil em 2015.
O país ainda caminha lentamente para disseminação de fontes alternativas de energia, ao contrário de países da Europa como a Alemanha, onde a necessidade de reduzir as emissões de gases de efeito estufa e o pouco potencial para gerar algumas energias renováveis levaram ao desenvolvimento de uma matriz renovável, como a fotovoltaica (solar) ou a eólica. Segundo Carlos Alexandre, essas são o futuro da geração de energia no mundo, e o Brasil também caminha para expandi-las. “É aquela velha história de não colocar todos os ovos em uma mesma cesta. Em termos de administração e de operação de uma rede tão complexa como é a de energia, você precisa ter várias fontes ofertando em diversos momentos do dia e se complementando, quando necessário”, afirma.
A lógica da complementariedade seria parecida com a que já funciona hoje no sistema integrado: nos períodos de seca, em que as hidrelétricas operam com menos capacidade, a geração de eletricidade acaba sendo suplementada pelas termelétricas. A intenção é que as formas de energia renovável ganhem espaço cada vez mais. No entanto, dados do Boletim de Capacidade Instalada de Geração Elétrica - Brasil e Mundo 2016, do Ministério de Minas e Energia, ainda não demonstram esse movimento. Embora 90% do total dos 9,5 GW de potência instalada tenham sido de fontes renováveis, as fontes hidráulica e de biomassa permanecem liderando essa expansão.
Segundo o presidente da Associação Brasileira dos Investidores em Autoprodução de Energia (Abiap), Mário Menel, embora o setor tenha um planejamento indicativo, é difícil controlar essa expansão, já que em um leilão prevalece a fonte que oferece o menor custo. Ele explica que a matriz elétrica brasileira comporta todas as fontes e tem bastante variedade, mas fatores como o baixo custo e facilidade de estocagem ainda favorecem as hidrelétricas.
“A melhor forma que nós temos de armazenar energia é nos reservatórios das hidrelétricas. Se eu tenho um vento favorável e estou gerando muita energia eólica, eu economizo água, então aumento o volume do reservatório e estoco energia, praticamente dentro do meu reservatório. Enquanto parou o vento, eu libero essa água para produzir energia elétrica”, diz Menel.
Esse cenário, no entanto, também vem sofrendo mudanças devido a outros fatores como a questão ambiental, que limita cada vez mais a construção das hidrelétricas e também a seca severa que algumas regiões vêm sofrendo.
“O Nordeste, que sofreu com falta de água nos últimos dois, três anos, só não teve um racionamento graças à [energia] eólica que está fornecendo hoje cerca de 30% da necessidade da região.”
Mário Menel, presidente da Associação Brasileira dos Investidores em Autoprodução de Energia (Abiap)
Para o Ministério de Minas e Energia, os principais desafios com a entrada dessas fontes são econômicos e operacionais. Carlos Alexandre explica que a questão das intermitências de fortes como a eólica, que não é gerada quando falta vento, e da solar, que também fica parada durante a noite, impactam diretamente no preço da energia elétrica ofertada. “Nosso Operador Nacional de Sistema precisa, a cada instante, balancear o quanto é demandado de energia e o quanto é despachado.”
Pesquisa e desenvolvimento
O setor de Energia do Brasil deve investir, nos próximos 12 meses, um montante de R$ 450 milhões em eficiência energética e R$ 400 milhões em pesquisa e desenvolvimento (P&D), segundo dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Os recursos são resultado da Lei 9.991, de 2000, que determina a aplicação de 1% da receita operacional líquida de todas as empresas do setor elétrico nessas áreas. No setor de distribuição, o valor é 0,9%, dividido em 0,5% em P&D e 0,4% em eficiência energética.
“Não existe, a rigor, como executar eficiência energética em lugar nenhum do mundo sem uma grande soma de investimento”, afirma Carlos Alexandre Pires, diretor do Departamento de Desenvolvimento Energético do Ministério de Minas e Energia.
A regulação dá liberdade às empresas para escolherem os temas em que vão investir. Mas desde 2008, a Resolução Normativa nº 316 da Aneel permite que o governo ordene os investimentos por meio das chamadas estratégicas. “Quando o tema é muito relevante a gente acena para o mercado: 'Olha! O investimento nesse tema já está pré-aprovado', ou seja, já é caracterizado como investimento em eficiência energética ou P&D”, diz o diretor da Aneel André Pepitone.
Ao longo desses anos já foram realizadas 21 chamadas estratégicas; a última delas com o armazenamento de energia como tema. O resultado desses investimentos é um estado de constante transformação do setor, com a entrada de novas fontes de energia ou ainda o desenvolvimento de soluções para demandas. “A gente tem um país que está com dificuldade orçamentária, e você ter disponível praticamente R$ 1 bilhão para investimento nesse segmento [mostra que] tem recurso e tem iniciativa, ou seja, os agentes estão respondendo a contento com esses investimentos” diz André.
Histórico
“Eficiência energética significa consumir menos energia para o mesmo nível de produção ou aumentar o nível de produção tendo o mesmo consumo de energia” explica o diretor do Ministério de Minas e Energia Carlos Alexandre. O governo brasileiro trabalha com esse entendimento desde 1984, quando motivado pela crise do petróleo, criou o programa de etiquetagem e, em seguida, o Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica (Procel).
A experiência sobre o tema culminou na publicação do Plano Nacional de Eficiência Energética, em 2011, no qual estão previstas as principais diretrizes para alcançar as metas do setor. “Do ponto de vista de política pública, o Plano Nacional foi bem-sucedido. Conseguimos que todos os ministérios pudessem executar suas políticas, tendo o Plano Nacional de Eficiência Energética como um norte”, acrescentou Carlos Alexandre.
Por outro lado, faltavam os recursos para que grande parte das ações fosse implementada. Em 2016, no entanto, o problema foi solucionado com a publicação da Lei 9.991. Com a norma, parte dos recursos destinados à eficiência energética hoje também é direcionada ao Procel, que prevê ações de combate ao desperdício de energia elétrica e à redução do consumo. Segundo Carlos Alexandre, para o Ministério de Minas e Energia, a eficiência energética pode ser dividida em dois componentes: um que demanda investimentos e outro que pode ser classificado de desperdício e, portanto, não requer investimentos. Este ano, o Comitê Gestor de Eficiência Energética publicou o Plano de Aplicação de Recursos do Procel, que destina mais de R$ 107 milhões a projetos na área.
Consumidor pode mudar perfil de distribuidoras
O cenário da distribuição de energia no Brasil vem sofrendo uma revolução silenciosa. Uma das faces que provocam essas mudanças é a produção energética pelo próprio consumidor. Desde que a Aneel modernizou a Resolução 482/2012 – que regulamenta o setor – e flexibilizou algumas normas, o número desse tipo de ligação às redes de distribuição cresceu consideravelmente: em dezembro de 2015 eram 1.731 conexões. O número passou para quase 10,5 mil em maio de 2017.
Para o presidente da Abiap, Mário Menel, esse crescimento logo vai se destacar na matriz elétrica, e por essa razão é necessário um debate desde agora, para que haja tempo de desenvolver um planejamento para as mudanças que estão por vir. Ele acredita, por exemplo, que o monopólio de comercialização de energia pelas empresas de distribuição deixará de existir. “A evolução tecnológica vai levar para que a gente tenha uma separação. A parte de comercialização fica com uma determinada empresa, ou várias empresas, e a parte de fio, para você não ter dois postes concorrendo, vai continuar com um monopólio”, explica.
Para o diretor do Departamento de Desenvolvimento Energético do Ministério de Minas e Energias, Carlos Alexandre Pires, é necessário associar o estímulo para geração distribuída a mecanismos legais que garantam a manutenção do sistema de distribuição, inclusive para que a complementação da energia gerada pelo consumidor chegue até ele. “Isso está acontecendo em todos os lugares do mundo, onde a energia eólica e a solar estão ganhando importância, porque ao extremo você não teria distribuidora de energia.”
Mário Menel explica que em países como Portugal esse modelo que separa distribuição e comercialização de eletricidade já é uma realidade. “Mesmo que você não queira colocar energia no seu telhado, você escolhe o seu fornecedor de energia. E esse fornecedor, que é uma empresa com expertise em colocar, olha para o seu caso e diz: eu vou botar o painel em cima do teu telhado e você vai comprar energia de mim, mas essa energia é minha”, projeta. Para ele, o caminho é inevitável. “São arranjos comerciais que vão surgindo em função do avanço tecnológico, que não tem como você ser contra”, afirma.
No Brasil, grandes consumidores como redes de hotelaria e indústrias já escolhem seus fornecedores de eletricidade. O presidente da Abiap explica que em cerca de cinco anos esse modelo chegará ao consumidor residencial. Para que a transição entre os modelos ocorra de forma tranquila, ele explica, que é necessário haver planejamento desde agora. “Não podemos esquecer que quem lastreou a expansão do sistema como nós conhecemos hoje, em contratos de longo prazo, foram as distribuidoras, o mercado cativo. Agora vão deixar de lastrear, então, o sistema financeiro vai ter que entrar no setor elétrico e oferecer produtos que nos deem capacidade para financiar essa expansão.”
Atualmente, o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) é o único que financia o setor elétrico brasileiro, com linhas de crédito de até 80% para energia fotovoltaica (solar), por exemplo. Devido a projetos de eficiência energética no Ministério de Minas e Energia e na Aneel, desde o ano passado, a geração de energia a partir de fontes não renováveis não está mais entre as opções de financiamento para o setor. No entanto, para Mário é necessário ir além e atrair outros bancos, criando um funding, ou seja, uma captação de recursos para investimento, que poderá ser saudável para o setor. “Naturalmente, isso vai implicar em custos reais. Pode ter um aumento no começo? Pode. Mas a competição acaba diminuindo os custos.”
Brasil: potencial para energia solar é pouco explorado
A energia solar de geração fotovoltaica é a menos consumida entre as formas renováveis que compõem a matriz elétrica do Brasil. Apenas 0,01% do que foi gerado no país em 2015 resultou dessa tecnologia, que usa painéis de silício para coletar raios de luz solar. Essa modalidade é, no entanto, a fonte preferida de quem escolhe gerar eletricidade para consumo próprio.
De acordo com a Aneel, das mais de 10 mil unidades de geração distribuída – modalidade na qual o próprio consumidor gera e injeta eletricidade na rede da cidade – 9,9 mil são usinas fotovoltaicas.
Como funciona
A energia solar é gerada pela luz do sol, que incide diretamente ou por meio de reflexo em painéis de materiais semicondutores (silício). Esses últimos contêm células menores, que ficam dispostas em duas camadas, uma positiva e outra negativa. Quando a energia do sol chega, o material semicondutor faz com que os elétrons se movimentem entre as duas camadas e gerem uma corrente elétrica contínua.
Como as pessoas consomem eletricidade por meio de uma corrente alternada, é necessário o uso de um inversor para transformar a corrente contínua.
Distribuição
O diretor da Aneel, André Pepitone, afirma que a Agência atua em duas vertentes para difundir a energia solar no Brasil. Uma é a geração distribuída, que vem crescendo conforme diminui o prazo para recuperar o investimento. Outra são os leilões para comprar energia solar de forma centralizada.
Pepitone explica que o Brasil tem um grande potencial para a geração de energia solar, superior até ao de outros países onde esse tipo de fonte é bastante usado para gerar energia elétrica. Segundo ele, a Alemanha, por exemplo, tem índice de irradiação que resulta em 900 e 1.250 quilowatts-hora (kWh) por metro quadrado (m2) por ano divididos em seu território e, na Espanha, o número varia de 1.200 a 1.850 KWh m2/ano. Enquanto isso, o Brasil produz entre 1.500 e 2.400 KWh m2/ano. “Observe que o pior sol do Brasil, que está lá no Paraná e tem uma irradiação de 1500KWh m2/ano, é superior ao melhor sol da Alemanha”, compara.
“O pior sol do Brasil, que está lá no Paraná e tem uma irradiação de 1500KWh m2/ano, é superior ao melhor sol da Alemanha.”
André Pepitone, diretor da Aneel
Com o cenário promissor no mercado, em 2009, o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) de Taguatinga, cidade do Distrito Federal, passou a pensar na formação profissional de mão de obra para atender à demanda e construiu um Centro de Demonstração de Energias Renováveis, a Casa Solar. A diretora do Senai Taguatinga, Janaína Braga D'Almeida, conta que inicialmente o local funcionava apenas como um centro de demonstração, uma espécie de vitrine das novas tecnologias. Em 2016, um projeto de cooperação técnica com a Agência Alemã de Cooperação Internacional GIZ o transformou um centro de treinamento de energias renováveis.
Com 4,5 KW de potência instalada, a casa é estruturada de forma que possibilite condições reais para todo o processo de montagem, instalação e manutenção do sistema. São três telhados de materiais diferentes – metal, cimento e cerâmica –, montados ao lado da casa com seis placas cada um. Justas elas geram ao mês 250 Kwh, que estão ligados à rede de distribuição da cidade e quando não consumidos pelo próprio Senai voltam em forma de crédito para consumo futuro.
Além dos telhados, os aprendizes têm acesso ao sistema de inversores que transformam a corrente contínua em alternada e aprendem a fazer a instalação para funcionamento em baterias ou ligado ao sistema de distribuição da cidade. Segundo Janaína, entre julho de 2016 a abril de 2017, 400 alunos participaram de três cursos voltados à energia fotovoltaica e de outros dois cursos de energia solar térmica.
No campus da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a geração de energia fotovoltaica também é uma realidade. No estacionamento anexo ao Centro de Tecnologia, foi criada uma cobertura para 51 carros que funciona como miniusina. Com 414 painéis de energia solar, a estrutura tem capacidade instalada de 99 quilowatts-pico (Kwp) e chega a gerar 140 mil Kwh por ano – eletricidade suficiente para abastecer até 70 casas.
O estacionamento solar é um dos projetos desenvolvidos pelo Fundo Verde de Desenvolvimento e Energia para a Cidade Universitária da UFRJ – que é financiado com recursos da isenção do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) na conta da própria instituição – e foi criado com o objetivo de aumentar a eficiência energética, melhorar a mobilidade e promover o uso consciente dos recursos hídricos no campus. “Pensamos no benefício de gerar uma energia renovável, alimentar a rede de energia e também promover a sombra para os carros”, explica a gerente do escritório de projetos do Fundo Verde, Andrea Santos.
Além do estacionamento solar, o Fundo Verde pretende implantar mais dois projetos de geração de energia fotovoltaica na Ilha do Fundão: um prédio com placas solares fotovoltaicas e uma usina solar.
Biogás é alternativa para resíduos do esgoto
O lodo resultante do esgoto em Curitiba está prestes a ser transformado em energia elétrica, para abastecer a própria estação de tratamento de água da capital paranaense. O processo de conversão de matéria orgânica em gases que podem gerar energia é antigo, mas o aproveitamento do lodo em grande quantidade é uma novidade.
Restos de alimentos, resíduos da pecuária e da agricultura e até dejetos são matéria orgânica que podem virar biogás. O processo, conhecido como biodigestão, aproveita a ação das bactérias que se alimentam dessas substâncias em ambientes sem oxigênio e transformam tudo em gases como metano, dióxido de carbono e oxigênio. Esses gases, quando injetados em grupogeradores, servem tanto para gerar energia térmica quanto eletricidade. Em uma estação de tratamento de água, as bactérias estão presentes e produzem os gases que, muitas vezes, acabam sendo liberados e causam danos ao meio ambiente.
Potencial
Por ter uma participação ainda pequena na matriz energética brasileira, o biogás – junto a outras fontes energéticas como o biodiesel – é classificado de biomassa.
Segundo dados divulgados pela Empresa de Pesquisa Energética, no ano de 2015, a participação da biomassa no setor como um todo foi 8%. No entanto, o potencial dessa fonte de energia no país é bastante relevante: a Associação Brasileira de Biogás e Biometano (Abiogás) afirma que o Brasil produz 7 milhões de metros cúbicos (m³) de lodo por dia, 15 milhões de m3 de resíduos de alimentos e 56 milhões de m3 de sucroenergético por dia (produção de energia a partir de cana-de-açúcar).
Esse potencial foi identificado pela Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar) em Curitiba, onde a Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) Belém recebe 840 litros de esgoto por segundo diariamente. Após o processo de tratamento, essa quantidade gera entorno de 600 metros cúbicos de lodo por dia.
Segundo o engenheiro da Sanepar Charles Carneiro, esse resíduo será depositado em biodigestores construídos próximo ao sistema de tratamento do esgoto, misturado a outros materiais orgânicos dispensados por grandes produtores de alimentos. O biogás produzido será transformado em energia elétrica por meio da usina com potência instalada de 2,8 mega-watts (MW), e o resíduo pós-digerido passará por uma secagem térmica para virar biofertilizante ou carvão. Esse material será usado no próprio processo de secagem.
O engenheiro Gustavo Possetti, da Assessoria de Pesquisa e Desenvolvimento da Sanepar, explica que com a implantação da usina de biogás todo o processo passa a ser sustentável. “Além de tratar o esgoto promovendo a saúde pública e a limitação de impactos ambientais, nós tentamos gerenciar da forma mais correta possível todos os subprodutos que advêm desse processo.”
O primeiro passo para a instalação da usina foi verificar o potencial de produção e das características do biogás das estações de tratamento. “A partir desse projeto geramos as primeiras diretrizes que poderiam orientar a recuperação energética desse material, em função das escalas das estações e consequentemente em função de cada uma das propostas de utilização”, conta Possetti.
Histórico
Antes de construir a usina em Curitiba, a Sanepar fez uma primeira experiência, em 2009, na ETE Ouro Verde, em Foz do Iguaçu. De acordo com o engenheiro, lá foi possível estudar as características da produção do biogás e adquirir experiência para compreender o processo de geração distribuída de eletricidade e do sistema de compensação. Isso viabilizou a efetivação da planta de biogás ainda maior, na ETE Belém, ligada à rede de distribuição da cidade, com possibilidade de gerar créditos para desconto na conta de luz da companhia.
A previsão é que a usina de Curitiba entre em funcionamento no segundo semestre de 2017, mas a energia deve começar a ser gerada efetivamente apenas 180 dias depois da inauguração, prazo necessário para que os biodigestores gerem gases suficientes para ligar as máquinas. Em uma segunda etapa, a planta de Biogás na Sanepar terá a capacidade instalada ampliada para 5,6 MW.
Crise hídrica no Nordeste impulsiona energia eólica
Os números não deixam dúvida quanto à condição favorável do Brasil, com ventos fortes e contínuos, para a geração de energia eólica. No ano de 2016, por exemplo, a média da relação entre a capacidade instalada nas usinas eólicas no país e a efetiva geração de energia foi de 40,7%, enquanto a média mundial é de apenas 23,8%.
Essas usinas têm sistema muito parecido com o de um catavento gigante, que permite o aproveitamento dos ventos para gerar eletricidade. Os aerogeradores, como são chamados, têm três pás que se movimentam e propulsionam um rotor, conectado a um eixo, que move um gerador elétrico. Uma engrenagem multiplica a velocidade o suficiente para garantir energia para a geração da eletricidade, que desce da torre por cabos que vão até a rede de transmissão.
Segundo dados divulgados pela Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica), essa modalidade em 2016 representou apenas 6% da matriz elétrica brasileira. No entanto, o avanço do uso da geração eólica, com um aumento de 55% de capacidade instalada em usinas espalhadas principalmente pelo litoral, mostra um mercado promissor alavancado pela crise hídrica severa na Região Nordeste.
Diretor de engenharia da empresa responsável pelo complexo eólico de Taíba, em Fortaleza (CE), Luciano Freire acredita que a geração por essa fonte renovável tende a se expandir e ocupar o espaço das usinas termelétricas nas novas demandas. Ele explica que é exatamente no período em que as hidrelétricas menos produzem energia que os ventos sopram mais forte no país. “O Brasil é privilegiado do ponto de vista energético, a nossa matriz é superlimpa, a geração hidrelétrica predomina, mas cada vez mais a gente vai perceber a inclusão da geração eólica e da geração solar. Sem falar da geração de biomassa, que nas regiões Centro-Oeste e Sudeste tem também uma importância muito grande.”
Na Região Nordeste, essa já é uma realidade. É lá que funciona o complexo Taíba, formado por três usinas que somam 27 aerogeradores. Com potência instalada de 57 megawatts (MW), o gerador foi vencedor do primeiro leilão de energia de reserva, em 2009, e hoje se soma aos 10,75 GW de potência eólica, espalhados pelo Brasil, em 430 parques. O estado do Ceará está entre os quatro maiores produtores de energia eólica do país, junto com Rio Grande do Norte, Bahia e Rio Grande do Sul. “A geração eólica tem uma importância capital hoje para o Nordeste. Ela representa cerca de 40% da necessidade de energia para a região. Em alguns períodos do ano, ela chega a suprir mais de 60% da demanda de energia daqui”, acrescenta Freire.
A empresa em que Luciano Freire trabalha tem quatro parques eólicos em funcionamento e dois em construção. Um deles funcionará de forma híbrida – geração eólica e solar fotovoltaica – devido ao regime de vento da região, que tem maior intensidade à noite. “Durante o dia você tem vale de vento, consequentemente um vale de produção de energia, que é totalmente complementar com a geração solar. Com a baixa geração eólica, se constrói nas adjacências um complexo solar que vai atuar como complemento”, explica Luciano. A estimativa, segundo ele, é de que o projeto que está em desenvolvimento em Caldeirão Grande, no Piauí, resulte em uma produção de 400 MW de geração eólica e 120 MW de geração solar.
Biometano: alternativa ao combustível fóssil
A emissão de gases de efeito estufa por veículos e atividades como a agropecuária ainda são um desafio para o Brasil, que tem na geração de energia limpa um grande aliado: o biometano. Combustível menos poluente, o biometano é mais econômico que o etanol e ainda é produzido por dejetos e efluentes, o que garante destinação adequada a esses resíduos.
Assim como o biogás, o biometano é produzido por meio da decomposição de matéria orgânica, na ausência do oxigênio. No entanto, para atingir a quantidade de metano necessária para uso como combustível veicular, o material passa por um processo de purificação.
Em 2015, a Agência Nacional de Petróleo (ANP) regulamentou o biometano, reconhecendo o gás como combustível similar ao Gás Natural Veicular, com a vantagem de não ser de origem fóssil, portanto não renovável.
Segundo o assessor de Energias Renováveis da Itaipu Binacional, Paulo Afonso Schimidt, mais do que uma tendência, o biometano é uma necessidade. “Há um estudo que demonstra que se a gente considerar todo o potencial de produção de biogás do país, é algo superior ao volume de produção hoje de Itaipu, então, isso demonstra que há um potencial enorme a ser explorado”, compara.
Em 2014, a empresa integrou à sua frota o uso de veículos movidos por biometano e instalou em suas dependências um posto para abastecimento. Posteriormente, a frota cresceu e, na última semana, a maior produtora de energia hidrelétrica do mundo inaugurou a primeira planta de biometano que usa como matéria-prima a mistura de esgoto, poda de grama e alimentos descartados por restaurantes.
A tecnologia é totalmente desenvolvida em Foz do Iguaçu e é pioneira. Até então, o biometano do Brasil era produzido unicamente por dejeto de animais. Os resíduos resultantes do processo de produção serão transformados ainda em biofertilizantes. “Retiramos os resíduos que seriam potenciais poluentes da natureza, transformamos em energia sustentável, renovável e devolvemos os nutrientes ao planeta. Então, com isso nós, na verdade, imitamos a natureza com um processo que é absolutamente natural”, diz Paulo Schimidt.
Para atender parte da demanda de eletricidade gerada pela planta de combustível renovável, a empresa instalou uma microusina de energia solar fotovoltaica no local. São 12 placas que juntas têm capacidade instalada de 3 quilowatts-pico (KWp) e geram cerca de 350 quilowatts-hora (Kwh) por mês. Segundo o engenheiro eletricista do Parque Tecnológico de Itaipu Thiago Lippo, o projeto também faz parte das atividades de pesquisa e desenvolvimento da empresa, e será monitorado assim como a planta de biometano. A unidade de demostração tem capacidade de produzir 4 mil metros cúbicos de biometano por mês e já abastece 70 veículos, mas pode abastecer até 300 por mês.
De acordo com pesquisadores do Centro Internacional de Energias Renováveis-Biogás (CIBiogás), o gasto por quilômetro rodado de combustível biometano é de R$ 0,26, enquanto o do etanol é de R$ 0,36.
O monitoramento dos resultados obtidos com a nova planta tem como objetivo consolidar um modelo de negócio viável para ser replicado na região e, posteriormente, em todo o país. A proposta da empresa, diz Vianna, é desenvolver a tecnologia e disponibilizar para os produtores rurais e municípios. “Quando Itaipu chegou aqui, ela inundou terras férteis e essas terras estão fazendo com que a gente produza energia, energia limpa. Então, nada mais justo que a gente devolva um pouco mais para a região”, diz o diretor-geral brasileiro de Itaipu.
06 de Junho, 2017