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Impasse com governo de Goiás ameaça ampliação do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros

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 Alto Paraíso de Goiás (GO) - Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, no município de Alto Paraíso  (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

 

Na rodovia GO-118, que liga Brasília a Alto Paraíso de Goiás, a paisagem denuncia o avanço do agronegócio sobre o Cerrado, com lavouras de soja que alcançam a linha do horizonte. A região, uma das últimas fronteiras agrícolas de Goiás, abriga uma das mais importante formações do bioma, a Chapada dos Veadeiros, reconhecida em 2001 como Patrimônio Natural da Humanidade.

Às vésperas de completar 56 anos, o parque nacional criado para proteger a Chapada dos Veadeiros enfrenta um impasse para ampliar sua área de abrangência, que pode garantir a sobrevivência de quase 50 espécies ameaçadas de extinção e preservar formações do Cerrado até agora sem nenhuma proteção, como as matas secas.

Criado em 1961 com 625 mil hectares, o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros sofreu sucessivas reduções de tamanho, até chegar aos 65 mil hectares atuais, cerca de 10% da área original. Em 2001, a ampliação para 240 mil hectares chegou a ser decretada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, mas foi derrubada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por falhas no processo e pela não realização de audiências públicas, previstas na Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), que entrou em vigor em 2000.

Agora, uma nova chance de rever a redução da área preservada esbarra em um impasse com o governo de Goiás, que precisa dar o aval para a ampliação da unidade pela União.

 

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“O Cerrado vem perdendo rapidamente sua cobertura vegetal. Proteger essas novas áreas na Chapada e integrá-las ao parque vai ajudar a segurar o futuro desse bioma. O momento é de seguir adiante e garantir esse último naco de Cerrado do Brasil Central”, defende o professor e pesquisador da Universidade de Brasília (UnB) Reuber Brandão, que considera a ampliação do parque uma “escolha civilizatória”.

O chefe do parque, o analista ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) Fernando Tatagiba, lista os riscos da desfiguração da abrangência da unidade federal.

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“O que está em jogo é a conservação de uma área de extrema relevância para a preservação da biodiversidade. O que está em jogo é a proteção de um ecossistema que hoje não está protegido pelos limites atuais do parque, e está em jogo o estabelecimento de uma extensão para o parque nacional que é adequada para a conservação de espécies de fauna e flora ameaçadas de extinção.”

 

 

Proposta de ampliação

 

Após um processo que levou mais de cinco anos, entre a realização de estudos, consultorias, audiências e negociação política, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – responsável pela gestão das unidades de conservação federais – chegou a uma proposta que aumenta o parque dos Veadeiros de 65 mil hectares para 222 mil hectares, em área contígua, garantindo a implantação de corredores ecológicos e a manutenção do habitat de grandes mamíferos, como a anta e a onça-pintada, que precisam de grandes extensões.

No começo de novembro, a proposta foi repassada a representantes dos governos federal, de Goiás e do município de Alto Paraíso, de entidades ligadas ao agronegócio e da sociedade civil. O texto do decreto de ampliação está inclusive pronto na Casa Civil para ser assinado pelo presidente Michel Temer.

 

“Sentaram em volta da mesma mesa o governo do estado, produtores, a prefeitura de Alto Paraíso de Goiás, o Ministério do Meio Ambiente e a sociedade civil e acharam essa proposta aceitável do ponto de vista da conservação e do ponto de vista do interesse das pessoas que habitam a região”, conta Tatagiba.

No entanto, no dia 29 de novembro, a Secretaria de Meio Ambiente, Recursos Hídricos, Infraestrutura, Cidades e Assuntos Metropolitanos de Goiás (Secima) divulgou uma contraproposta do governo estadual que exclui da ampliação do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros todas as terras que ainda dependem de regularização fundiária, ou seja, onde não há título de propriedade. Sem essas áreas, apenas 90 mil hectares poderiam ser anexados ao parque, em um desenho descontínuo, com buracos na unidade de conservação.

 

Alto Paraíso (GO) - Plantação de soja em área do  município de Alto Paraíso (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Alto Paraíso de Goiás (GO) - Plantação de soja em área do município de Alto Paraíso (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

 

Peneira

 

Representante do governo, o secretário-executivo do Conselho Estadual de Meio Ambiente de Goiás, Rogério Rocha, reconhece que a contraproposta faz a área de expansão do parque “parecer uma peneira” por causa dos espaços das terras devolutas (sem titulação). “Não é agradável de se ver, mas tem um motivo”, justifica.

O principal argumento é que a desapropriação das áreas pela União nas terras não tituladas vai prejudicar as famílias que vivem na faixa a ser anexada. Sem título de propriedade, os posseiros não têm direito à indenização pela terra, apenas pelas benfeitorias, como sede das fazendas, currais e demais estruturas.

 

“Na verdade, nós concordamos com 100% da proposta original feita pelo ICMBio e pelo Ministério do Meio Ambiente. A questão é que vamos precisar de tempos diferentes para a concretização. Nós propomos, de imediato, a expansão em 90 mil hectares e os outros 68 mil hectares após o final da regularização fundiária”, argumenta.

Segundo Rocha, das cerca de 500 propriedades da área de provável expansão do parque, 230 não têm posse definitiva, a maioria de pequenos produtores.

Ambientalistas, no entanto, apontam que interesses de grandes proprietários rurais e até do setor da mineração orientaram a contraproposta estadual para a ampliação dos Veadeiros. O governo goiano nega.

“Nossa proposta desagrada o governo federal, que queria 100% da ampliação, e os grandes produtores da região, que querem manter o seu direito à propriedade privada. Só que ela respalda o pequeno. Essas 230 famílias são pequenos produtores, de subsistência, que vivem dessa terra para existir, não têm essa terra lá pra especular. Diferentemente de grandes produtores, que estão fazendo lobby para que a expansão do parque não aconteça”, rebate o secretário executivo.

A contraproposta do governo goiano não agradou o agronegócio do estado. O vice-presidente da Comissão de Meio Ambiente da Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás (Faeg), Marcelo Lessa, diz que a alternativa apenas ameniza os prejuízos dos produtores com a nova demarcação.

 

“Nossa preocupação é justamente com o direito de propriedade dos proprietários rurais que estão inseridos na área de ampliação. Em nenhum momento a federação se posicionou contrária à ampliação, mas tem que haver segurança jurídica”.

Para a Faeg, a eventual ampliação do parque nacional deveria se feita em etapas. “Primeiro, regularizar as propriedades; segundo, estudar essas áreas de ampliação com uma espécie de zoneamento e depois abrir um ato voluntário para criação de RPPNs [Reserva Particular do Patrimônio Natural] e em último momento usar o poder de desapropriar para ampliar”, sugere.

Biólogo de formação, o representante da Faeg diz que o debate sobre a ampliação da área protegida dos Veadeiros é maniqueísta e coloca o agropecuário como vilão. “Tem que parar com essa polarização entre ruralistas e ambientalistas. Em nenhum momento a gente foi contra a proposta, mas quando a gente fala na ampliação do parque, a discussão é muito polarizada. Já chegaram a dizer que a ampliação afetaria apenas quatro famílias, um dado absurdo, na verdade são 516.”

 

Alto Paraíso (GO) - Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, no município de Alto Paraíso (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Alto Paraíso de Goiás (GO) - Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, no município de Alto Paraíso (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Mais prazo

 

De acordo com Rogério Rocha, do governo estadual, a estimativa é que a regularização fundiária pendente na região de ampliação do parque leve de sete a oito meses para ser concluída e, em seguida, Goiás dará a anuência para que a União leve a cabo a proposta original de dar à unidade de conservação os 222 mil hectares propostos inicialmente.

“Não estou falando de 20 ou 30 anos para a frente. Estou falando de sete meses, é um prazo muito curto. A ampliação para 90 mil hectares já está autorizada agora, mais 68 mil [hectares] daqui a sete ou oito meses. A empresa que fará o georreferenciamento será contratada por pregão agora em dezembro, em janeiro ela já está trabalhando, em 40 dias termina os estudos, aí nós vamos ter até julho para fazer todo o processo burocrático, passar pela Procuradoria-Geral do Estado para fazer a titulação”, prevê.

“Enquanto se discute mais esse tempo, tem áreas sendo desmatadas agora. Enquanto o parque não existe, há inclusive autorização para desmatamento legal. Qualquer prazo é demais porque deixa a vegetação fragilizada”, disse à Agência Brasil uma fonte do governo federal.

A coalização de organizações ambientalistas que defende a ampliação imediata do parque no formato integral também não concorda com o adiamento e vai fortalecer a mobilização pela proposta original do ICMBio. “A Coalizão Pró-UCs continuará aportando todo o conhecimento disponível para que Goiás tome uma decisão que leve em conta a conservação da biodiversidade e não apenas critérios fundiários. Precisamos de limites que façam sentido do ponto de vista ecológico e de gestão”, ressalta a coordenadora do Programa de Ciências do WWF Brasil, Mariana Napolitano.

O agronegócio também pretende se mobilizar e promete ir a Brasília, por meio da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), para pressionar o Ministério do Meio Ambiente a flexibilizar a demarcação da nova área do parque.

O impasse deve durar pelo menos até a volta ao Brasil do ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, que participa, em Cancún (México), da Conferência das Partes da Biodiversidade, que discute justamente estratégias para proteção do patrimônio natural do planeta. A reunião termina no dia 17 de dezembro.

Segundo o chefe do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, Fernando Tatagiba, a demora em devolver ao parque a área considerada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) no reconhecimento da região como Patrimônio Natural da Humanidade pode levar a entidade a colocar o título em risco, expondo o Brasil a um constrangimento internacional.

 

 

 

 

 

Comunidade apoia ampliação dos Veadeiros, mas reclama de desinformação

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 Alto Paraíso de Goiás (GO) - Vista do Rio Preto a partir do Mirante do Carrossel, no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, que será aberto ao público em janeiro de 2017  (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

 

Na feirinha de sábado de Alto Paraíso de Goiás, principal município da região da Chapada dos Veadeiros, no nordeste do estado, a ampliação do parque nacional que protege o ecossistema é assunto corrente entre moradores e turistas.

Em meio a barracas que vendem produtos típicos do Cerrado, como iguarias à base de castanha de baru, jenipapo e buriti, cosméticos naturais, vegetais orgânicos e outros produtos da agricultura familiar, o aumento da área de conservação federal é visto com simpatia pela maioria, mas também é motivo de preocupação, principalmente entre os que produzem em áreas no entorno do território atualmente protegido.

O governo federal quer aumentar a extensão do parque de 65 mil hectares para 222 mil hectares, em área praticamente contígua. No processo de negociação, algumas propriedades rurais consolidadas e produtivas foram retiradas do desenho original da ampliação e serão mantidas. Em outros casos, os donos das terras se comprometeram a criar Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs). Mas algumas áreas terão de ser desapropriadas para dar lugar ao novo desenho do parque, e, como o processo e os valores das indenizações ainda não estão definidos, a expectativa gera insegurança em alguns moradores, como a agricultora familiar Conceição Moura Santos, do povoado do Moinho, vizinho ao Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros.

 

“Vendo aqui coisas que produzo em casa, verdura, açafrão, frutas, docinho de leite, tudo eu que faço. Estou sabendo da ampliação do parque. Tem uma parte que é muito boa, que é a proteção da natureza, agora tem outras partes que eu não entendo muito e que a gente fica com medo de estar em um lugar, na terra da gente, onde a gente mora e talvez ter que sair. Tem uma parte muito boa, mas por essa outra parte eu fico insegura, preocupada”, pondera a agricultora, que nasceu na região.

Dona Conceição não participou das audiências públicas sobre a ampliação dos limites do parque realizadas pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) em 2015 e diz que nunca teve acesso a informações mais precisas sobre o projeto. “Lá no Moinho ninguém nunca foi, o que a gente fica sabendo é pelo rádio, pelo que as pessoas comentam, por isso a gente fica meio insegura”, acrescenta.

De acordo com o chefe do parque, o analista ambiental do ICMBio Fernando Tatagiba, o povoado do Moinho não está incluído na proposta federal de ampliação da unidade de conservação, apenas as montanhas que cercam a região.

O produtor de orgânicos Rodrigo Machado vive e planta ainda mais perto do parque nacional, aos pés do Morro da Baleia, um dos principais cartões-postais da unidade de conservação, batizado assim por imitar o formato do mamífero marinho gigante. Na feira, diante de sua barraca com a vistosa produção de folhagens, frutas e outros vegetais, Machado também mostrou preocupação com a situação dos pequenos produtores caso a expansão da área protegida seja concretizada.

 

“Acho interessante a proposta desde que tomem cuidado com a sustentabilidade daqueles que vivem ali, de quem está de fato ali, que tira dali o seu sustento. É interessante para a humanidade, mas tem a questão particular dos que estão ali há muito tempo e que terão que sair”, destaca.

 

Machado cobra principalmente a diferenciação entre os que têm terras na região, mas vivem em cidades, e os que de fato produzem. “Planto folhas em geral, rúcula, salsa, coentro, cebolinha, brócolis, tomate, vagem, morango na época de morango, um pouco de banana. Cultivo tudo isso em meio hectare. Tem gente que veio e destruiu o Cerrado para fazer uma mansão, uma quadra de futebol, uma piscina. O lugar que eu planto às vezes é menor que a quadra de futebol do meu vizinho”, compara.

No atual desenho, o limite do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros passa no topo do Morro da Baleia. A proposta de ampliação do ICMBio leva esse limite até a base, mas sem incluir as chácaras produtivas e até uma pequena fazenda localizada na região, segundo o chefe do parque.

“Ao incluir todo o Morro da Baleia, a ideia é inclusive garantir a preservação da paisagem, para evitar que comecem a construir casas de veraneio na encosta”, explica Fernando Tatagiba.

 

Paisagem

 

Alto Paraíso de Goiás (GO) - Vista dos Saltos do Rio Preto, a partir do Mirante da Janela, área que faz parte da proposta de ampliação do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Alto Paraíso de Goiás (GO) - Vista dos Saltos do Rio Preto, a partir do Mirante da Janela, área que faz parte da proposta de ampliação do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

A mudança da paisagem natural da Chapada dos Veadeiros por causa do avanço da fronteira agrícola é lembrada pela líder espiritual Darshan de Freitas, que há quase 30 anos trocou Olinda (PE) por Alto Paraíso de Goiás.

“A mudança foi muito rápida de um tempo para cá, principalmente por causa da monocultura. Antes, quando você vinha de Brasília para cá, só até Formosa tinha monocultura, agora ela chegou até aqui na beira da estrada. Imagina dentro da Chapada em si.”

Darshan espera que o aumento do parque consiga frear a degradação do Cerrado na região, considerada um centro de energia para várias vertentes místicas e religiosas.

 

“A ampliação do parque é uma situação vital, planetária, não é local, não é brasileira, é planetária, é vital. No planeta são muito raras essas partes íntegras, inteiras. Sem o parque, se não tiver uma organização da ocupação, vai ser um grande caos.”

 

 

O novo desenho do parque dos Veadeiros também é assunto da política local. Recém-eleito para um mandato coletivo de vereador, iniciativa inédita no Brasil, Ivan Diniz diz que o grupo de cinco legisladores que se revezarão no posto defenderá a ampliação em área contígua, sem fragmentação.

“Recentemente tivemos uma posição por parte da Faeg [Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás] e da pressão da produção rural, de monocultura principalmente, querendo de alguma forma desconstruir tudo aquilo que foi construído, de transformar o que seria uma área só em um mosaico de área protegidas. Então, pretendemos defender a ampliação do parque dentro dos moldes que já foram acordados, que tinham sido acordados anteriormente”, adianta.

Diniz pondera que, na eventual indenização dos atuais ocupantes das áreas a serem anexadas ao território de proteção federal, devem ser consideradas as diferenças entre grandes e pequenos produtores. Segundo ele, muitas vezes a situação dos agricultores familiares é usada como estratégia para defesa de interesses do agronegócio e da monocultura.

 

“Os interesses econômicos e a pressão desses grandes produtores é muito grande sobre os pequenos. Eles acabam, de certa forma, sendo iludidos, acreditando que estão do mesmo lado, quando, na verdade, quem mais está perto dos pequenos produtores são os ambientalistas, são os que estão querendo preservar o Cerrado. Porque essa biodiversidade toda está se perdendo e cada vez vai ficando menor. E é bem difícil a gente conseguir integrar essa polarização”, acrescenta.

 

O vice-presidente da Comissão de Meio Ambiente da Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás (Faeg), Marcelo Lessa, nega o favorecimento aos grandes proprietários de terra.

“A federação não distingue o pequeno, o médio e o grande. A federação é dos produtores rurais, não trabalha em defesa somente do grande, isso é um mito. É lógico que o grande vai se manifestar, vai buscar uma influência ou outra, mas não existe isso de subterfúgio para travar a ampliação do parque, a federação não distingue o tamanho das propriedades, mas sim que tem um produtor ali.”

De acordo com a Secretaria de Meio Ambiente, Recursos Hídricos, Infraestrutura, Cidades e Assuntos Metropolitanos de Goiás (Secima), cerca de 515 propriedades estão na área de expansão. Dessas, estima-se que 230 famílias precisam ter as terras tituladas para ter direito à indenização na desapropriação.

 

Chapada dos Veadeiros em números: 

 

 

Ampliação adequada do Parque dos Veadeiros pode garantir proteção a 50 espécies ameaçadas

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Alto Paraíso de Goiás (GO) - Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, no município de Alto Paraíso (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

 

O simpático pato mergulhão, de penacho na cabeça e bico longo e serrilhado para capturar peixes diretamente dentro d'água, tem apenas 200 exemplares em todo o mundo, 70 deles na região na Chapada dos Veadeiros, de acordo com o pesquisador da Universidade de Brasília (UnB) e doutor em ecologia Reuber Brandão. Considerado uma das dez aves aquáticas mais ameaçadas do planeta, o pato-mergulhão está na lista das 32 espécies da fauna e 17 da flora que podem ser extintas caso a ampliação do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros não seja feita de acordo com a proposta formulada pelo Ministério do Meio Ambiente, contestada pelo governo de Goiás.

O projeto original prevê o aumento dos atuais 65 mil hectares para 222 mil hectares, em área contígua. No entanto, uma contraproposta apresentada pelo governo de Goiás na última semana autoriza a anexação de apenas 90 mil hectares à unidade de conservação, excluindo da ampliação as terras que dependem de regularização fundiária, formando uma espécie de peneira de áreas protegidas.

Apesar de não ser a maior unidade de conservação do Cerrado, o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros tem uma importância estratégica para a proteção da região, segundo a pesquisadora e professora do Departamento de Ecologia da UnB Mercedes Bustamante. “O parque é extremamente importante para a região e para o bioma por tratar-se de áreas de Cerrado de altitude com endemismos (representantes de flora e fauna restritos a essa região) significativos”, destaca.

A lista de animais ameaçados de extinção identificados na área também inclui a onça-pintada (Panthera onca), o socó boi jararaca (Tigrisoma fasciatum), a águia-cinzenta (Harpyhaliaetus coronatus), o cachorro do mato vinagre (Speothos venaticus) e duas espécies símbolo do Cerrado: o lobo-guará (Chrysocyon brachyurus) e o tamanduá-bandeira (Myrmecophaga tridactyla).

 

 

 

 

Para a flora, a ampliação do parque vai garantir a conservação de formações vegetais do Cerrado até agora desprotegidas, como a mata seca, predominante na região do Pouso Alto, a mais alta do Planalto Central, hoje fora dos limites oficias do parque. Além dessa, mais oito formações vegetais do bioma fazem parte do novo desenho da unidade: matas de galeria, cerradão, cerrado sentido restrito, parque cerrado, vereda, campo sujo, campo limpo e campo rupestre.

 

Alto Paraíso (GO) - Planta conhecida como Candombá, uma das mais comuns na região do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Alto Paraíso de Goiás (GO) - Planta conhecida como Candombá, uma das mais comuns na região do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Segundo especialistas em Cerrado, pelas características do bioma, a demarcação fragmentada das áreas a serem protegidas não garante o grau de preservação que cabe a uma unidade de conservação de proteção integral. “A fragmentação reduz a sua efetividade da área protegida, com redução do fluxo gênico, impactos sobre a funções importantes dos ecossistemas como ciclos do carbono e da água, e aumenta o impacto que as transformações no entorno das áreas tem sobre o interior protegido”, ressalta Mercedes.

Além disso, o modelo de “peneira”, com áreas não protegidas no interior do parque, inviabiliza a sobrevivência de algumas espécies ameaçadas, como a onça-pintada e o lobo-guará, que precisam de áreas extensas para suas atividades e reprodução.

 

“Se pensarmos nas populações de antas, onças, lobos-guará e gaviões, estamos falando de animais que precisam de grandes extensões para caçar e sobreviver. A águia-cinzenta, que habita a região, já não tem sido vista pelos pesquisadores com a mesma frequência”, explica Brandão.

Já o pato-mergulhão precisa de águas cristalinas para capturar seu alimento diretamente dos rios. Se os cursos d´água são afetados pela atividade agropecuária, instalação de pequenas centrais hidrelétricas ou até pela mineração – ameaça que ainda ronda a Chapada dos Veadeiros – o bicho não consegue sobreviver e desaparece. O pato-mergulhão é reconhecido inclusive como espécie bioindicadora, ou seja, a presença dele em uma determinada área revela um bom estado de preservação do ambiente, justamente o que está em risco na região dos Veadeiros neste momento.

“É preciso garantir a preservação dessas espécies para que a gente possa reverter o quadro de ameaça de extinção”, diz a especialista em pato-mergulhão Gislaine Disconzi, coordenadora do Censo Neotropical de Aves Aquáticas no Brasil.

 

“A proposta [do governo de Goiás] vem com uma colcha de retalhos, é uma fragmentação tão grande do sistema que não ajuda, não melhora as condições atuais. Não tem valor científico, não foram levados em conta os critérios de biodiversidade. O que essa colcha de retalhos vai trazer é o decaimento do ecossistema e isso a gente não quer, a gente quer áreas que possam ser o mais conectadas possível. A proposta que o ICMBio [Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade] e o MMA fizeram é a correta, em área contígua, e contempla critérios de biodiversidade, é para isso que se quer a ampliação”, acrescenta a bióloga.

Responsável pela descoberta de 11 espécies de anfíbios, nove delas na Chapada dos Veadeiros, Reuber Brandão destaca o potencial de novos achados científicos na região, atividade que pode ser estimulada com a decretação da nova área do parque. Sua última descoberta foi em novembro: uma rã ainda não batizada, encontrada na Reserva Natural Serra do Tombador, uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) a cerca de 20 quilômetros do parque federal.

Alto Paraíso (GO) -  Flor de Caliandra na região do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Alto Paraíso de Goiás (GO) - Flor de Caliandra na região do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

 

Em 2015, o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros recebeu 136 projetos de pesquisa, quase dez vezes mais que em 2008. Considerando 2016, o total de pesquisas na unidade nos últimos nove anos chega a 467, procedentes de 38 instituições.

O secretário executivo do Conselho Estadual de Meio Ambiente de Goiás, Rogério Rocha, reconhece que a ampliação fragmentada pode não ser a ideal para a biodiversidade e para a implementação administrativa da nova área do parque, mas diz que a contraproposta priorizou a situação das famílias que vivem na área, algumas há décadas. Segundo ele, após a regularização fundiária de todas as áreas, o governo de Goiás vai dar o aval para a extensão do parque também nessas terras.

 

Tem um motivo essa autorização de fazer esses 90 mil hectares agora, é uma sinalização para o Ministério do Meio Ambiente de que nós somos a favor da ampliação. Goiás nunca foi contra, mas é que tem que uma expansão com responsabilidade social. A gente não pode garantir abstratamente ou juridicamente a proteção de uma área e esquecer de 230 famílias. Essa é a questão”, argumenta.

Além disso, segundo Rocha, a intenção do governo de Goiás é criar na região do parque a Estação Ecológica Nova Roma, um tipo de unidade de conservação de uso ainda mais restrito que um parque nacional. “É uma área com nível máximo de proteção. São 7 mil hectares que são só para pesquisa e pesquisa com autorização. Isso está no meio do parque”, pondera.

 

Água e clima

 

Alto Paraíso (GO) - Vista a partir do ponto conhecido como carrossel, no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Alto Paraíso de Goiás (GO) - Vista a partir do ponto conhecido como carrossel, no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

A conservação dos recursos hídricos, que dão ao Cerrado a fama de “caixa d'água do Brasil”, pela quantidade e importância das nascentes do bioma, também pode ganhar fôlego com os novos limites do Parque dos Veadeiros, beneficiando atividades como o ecoturismo com foco nas belas cachoeiras da região e até a agropecuária, essencial para Goiás.

 

“A ampliação vai proteger centenas de nascentes que abastecem os rios da região, garantindo água inclusive para o agronegócio, que sustenta a economia do estado. Os rios que nascem na Chapada também alimentam a Bacia Amazônica”, lembra Brandão.

O Rio Preto, por exemplo, cuja nascente hoje está fora da área de proteção no parque, deságua no Rio Tocantins, braço da Bacia Araguaia-Tocantins, uma das mais importantes do Brasil.

Por causa do impacto direto das mudanças da cobertura vegetal no regime de chuvas do Cerrado, o gestor ambiental da Fundação O Boticário, Danilo João Tenfen, diz que o impacto da decisão de não proteger determinadas áreas vai muito além dos efeitos sobre a fauna e a flora.

 

“Acima de tudo, a espécie mais vulnerável na verdade é a nossa, porque a não proteção de áreas significa devastação e desflorestamento. Converter esses ambientes naturais, florestas e fitofisionomias em plantações, monoculturas extensivas e pastos vai modificar o clima, o ciclo hidrológico e quem é mais afetado? Quem vai viver num planeta possivelmente inabitável?”, questiona.

 

A pesquisadora e professora da UnB Mercedes Bustamante destaca que, por causa das mudanças climáticas, “as áreas de altitude estão entre as mais vulneráveis e devem ter sua proteção priorizada”, como é o caso de parte da Chapada dos Veadeiros, que chega aos 1,6 mil metros de altitude em alguns pontos ainda não abarcados pelo parque nacional.

07 de Dezembro, 2016