Mobilidade nas cidades vai exigir atenção de eleitos em outubro
A política de mobilidade urbana é uma preocupação que vem ganhando importância nos últimos anos por diversos motivos. Manter o desenvolvimento de grandes cidades com menos prejuízos ao meio ambiente é desafio mundo afora. No Brasil, os protestos de 2013, que levaram milhões de pessoas às ruas, iniciaram após o anúncio de aumento de tarifa de transporte público, considerado de baixa qualidade pelos usuários.
Segundo a pesquisa Mobilidade da População Urbana 2017, publicada pela Confederação Nacional do Transporte (CNT) e pela Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), o brasileiro vê o transporte como o quarto maior problema das cidades, perdendo apenas para a segurança, a saúde e o desemprego.
O tema é foco dos debates de candidatos às eleições deste ano. Devido a essa relevância, a Agência Brasil preparou um especial para mostrar algumas das boas práticas desenvolvidas no país, e, por outro lado, os problemas a serem enfrentados. A primeira reportagem mostra um modelo desenvolvido há décadas em Curitiba, cidade referência no sistema de embarque rápido de passageiros.
Modelo referência
Implantado em 1974 como modelo pioneiro de transporte público com ênfase no embarque rápido de passageiros, o sistema de Curitiba continua sendo referência de mobilidade urbana. Uma das razões é o fácil deslocamento de passageiros por meio dos 1.226 ônibus que compõem a frota, monitorada em tempo real por câmeras e mecanismos de geolocalização.
Para chegar à marca, a cidade com o maior número de BRTs em operação no país trilhou o caminho desejado na construção de uma política pública: planejamento permanente, integração entre outros modais e melhorias a longo prazo durante diferentes administrações. Assim como outros grandes temas, o sucesso nas políticas de mobilidade demonstra a necessidade de uma visão que transcenda mandatos e períodos eleitorais.
Desde o primeiro modelo de ônibus expresso, há 34 anos, até a atual disponibilização de veículos híbridos, passando pelos famosos biarticulados, criados em 1992 com capacidade para mais de 200 passageiros, o desenvolvimento de Curitiba foi estimulado com base em um sistema trinário: corredores exclusivos para os ônibus, abastecidos pelas chamadas estações tubo, proporcionando embarque ágil devido à cobrança antecipada da passagem.
Ao lado das vias exclusivas, foram construídas faixas para trânsito de carros em menor velocidade. Próximo às avenidas, o Poder Público estimulou sistematicamente a construção de prédios com o objetivo de priorizar o transporte público. Dessa forma, os edifícios de habitação, comércio e serviços podiam ser acessados a poucos metros das estações de ônibus.
A uma quadra dos corredores exclusivos, foram construídas vias de rápido deslocamento para automóveis, fazendo o trajeto Centro/Bairros e vice-versa. As quatro faixas de cada lado em um mesmo sentido foram concebidas para desafogar o trânsito e, como todo o sistema, incentivaram uma “fuga do centro” de moradores e empresários, de modo que eles não precisassem ir até lá para ter acesso a serviços básicos.
Hoje, são 329 estações tubo espalhadas por 14 municípios da região metropolitana que fazem parte da Rede Integrada de Transporte (RIT), além de 21 terminais de ônibus. Ao todo, a cidade tem 81 quilômetros de corredores exclusivos, que impossibilitam a invasão de carros por meio de bloqueios físicos.
Menos passageiros
Apesar dos avanços, Curitiba não fugiu à realidade nacional de queda no número de passageiros que utilizam o transporte coletivo. Para essa conta, os especialistas no assunto analisam o Índice de Passageiro por Quilômetro Equivalente (IPKe).
O IPKe é considerado um dos principais parâmetros para medição da eficiência do transporte público, pois mede quantos passageiros têm utilizado o transporte coletivo a cada quilômetro rodado. Nos últimos anos, porém, ele tem caído, o que contribui, segundo representantes das empresas de ônibus, para o encarecimento do serviço.
Em 2013, o IPKe estava em 1,79. Esse número diminuiu para 1,48 no ano passado, o menor da série histórica. Registrando 1,88 passageiros por quilômetro este ano, o índice de Curitiba tem se mantido acima da média geral, embora também venha caindo.
Em nível nacional, o ônibus urbano apresenta queda na demanda pelo modal. De acordo com a NTU, em 20 anos, o transporte público perdeu 35,6% dos passageiros pagantes. De 2016 a 2017, estima-se que os coletivos deixaram de transportar uma média de 3,6 milhões de passageiros por dia.
Divisão do sistema
Devido a divergências políticas e disputas pela administração do dinheiro arrecadado entre prefeitura e governo do estado, a tão elogiada Tarifa Única deixou de existir em 2015, quando o sistema de bilhetagem da capital passou a funcionar de maneira desintegrada com o de algumas cidades da região metropolitana. Foi criada uma associação de empresas de transporte no entorno, a Metrocard, responsável por implantar, sob fiscalização do governo estadual, o Sistema de Bilhetagem Eletrônica das tarifas.
Segundo Luiz Alberto César, diretor-executivo das Empresas de Ônibus de Curitiba e Região Metropolitana, chamada Setransp, o preço da passagem chega a custar mais de R$ 6 em algumas cidades da região. “Foi ruim [para os usuários], porque depois da criação do sistema, eles [as prefeituras] foram criando anéis. Então quanto mais distante é [de Curitiba], mais caro fica. O usuário sai de um terminal mais próximo do centro, vai para uma cidade vizinha e depois para uma mais distante, aí acrescenta [o preço]”, disse. Clique no banner abaixo e confira o conteúdo completo na Agência Brasil.
Reconhecimento facial combate fraudes no transporte em Curitiba
Considerado referência há pelo menos três décadas, o sistema de transporte coletivo na região metropolitana de Curitiba tem como principal desafio continuar se modernizando. Apesar dos avanços, que incluem um modelo de fiscalização de irregularidades em tempo real e o combate ao uso indevido da gratuidade, especialistas e gestores locais defendem maior integração entre os cartões disponíveis e uma forma mais atrativa aos usuários.
Criticada pelos usuários devido ao fim da Tarifa Única, a desintegração da bilhetagem ocorrida em 2015 possibilitou a criação de uma entidade exclusiva para cuidar do transporte público na região metropolitana, separando-o das cidades mais próximas à capital paranaense. Meses após a implantação, o novo sistema fez com que o cartão utilizado pelos usuários de outras cidades se tornasse mais moderno e inovador.
Quando os usuários têm direito à gratuidade, como idosos e pessoas com deficiência, se cadastram no sistema, devem fazer a identificação biométrica por meio de fotografias tiradas de frente e de perfil. A partir daí, essas informações passam a constar no registro do usuário, que se torna isento. Quando ele entra no ônibus, um equipamento nas catracas tira cinco fotos seguidas, que são automaticamente checadas.
Carros em excesso
Os próximos gestores devem se preocupar também com a redução do número de veículos individuais.
De acordo com levantamento da Agência Brasil, Curitiba fechou o ano de 2017 se mantendo na posição de capital mais motorizada do país. Com um automóvel emplacado para cada 1,8 habitante, a cidade é a que tem o maior número de carros proporcionalmente registrados, ficando à frente de outras metrópoles, como Belo Horizonte (1,9 habitante/veículo), São Paulo (2,16 hab/veículo) e Brasília (2,4 hab/veículo).
Os dados foram obtidos com base na frota de veículos disponibilizada pelo Departamento Nacional de Trânsito e nas estimativas populacionais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para o ano passado. De acordo com a URBS, empresa pública de urbanização de Curitiba, o 1% da divisão modal destinada aos ônibus transporta 45% da população. Já os carros, que representam 81% da frota, são responsáveis pelo trajeto de 22% dos moradores da cidade.
Trajeto mais rápido
Mesmo assim, devido à priorização histórica, o transporte público consegue apresentar resultados melhores do que os automóveis em alguns trajetos. A Agência Brasil fez dois percursos em ônibus de maior velocidade da cidade. O chamado Ligeirão, um biarticulado com capacidade para levar 250 passageiros, faz ultrapassagens dentro dos corredores exclusivos e tem uma rota que não precisa parar em todos os pontos.
No meio da tarde, fora do horário de pico, o ônibus chegou ao destino quatro minutos antes do carro que levava a reportagem, mesmo o motorista percorrendo as vias mais velozes. Na outra viagem, buscando simular o retorno de um trabalhador à sua casa, o caminho foi maior. Para chegar a Campo Largo, que tem 127 mil habitantes e costuma servir de cidade-dormitório, foi preciso passar por uma rodovia e percorrer 30 quilômetros.
Com menos retenções no trânsito, o transporte público mais uma vez chegou na frente, mesmo sendo necessário trocar de ônibus em um terminal no centro da cidade. No interior dos veículos, os usuários são orientados por meio de avisos sonoro e visual sobre o fechamento das portas e as próximas paradas.
Fiscalização
Além disso, próximo ao motorista há um painel que permite ele se comunicar com o Centro de Controle Operacional, por meio de mensagens rápidas e previamente elaboradas. Como os veículos têm geolocalização, a URBS consegue fiscalizar e eventualmente multar as empresas que estão fora do horário, direto da sala de monitoramento.
Os funcionários do centro, inaugurado em 2012, controlam a frota por meio de câmeras e o GPS dos ônibus. Uma parceria com a polícia e a guarda municipal facilita o atendimento de ocorrências. Do centro de controle, é possível também avaliar se houve algum acidente ou definir a necessidade de manutenção de catracas, estações ou mesmo de itens no interior do veículo.
Caso o motorista esteja muito atrasado, ele é orientado a passar diretamente por uma quantidade de paradas de ônibus para que acerte a rota e atenda à demanda de acordo com o horário previsto. Apesar dos gastos maiores, a frota de Curitiba busca inovar também na sustentabilidade. A cidade tem 30 veículos híbridos, que até a velocidade de 20 km/h se locomovem silenciosamente, pois nesse período dependem 100% do motor elétrico. Clique no banner abaixo e confira o conteúdo completo na Agência Brasil.
Falta de integração no transporte gera mais gasto e perda de tempo
A falta de um sistema integrado entre os diversos modais de transporte torna a viagem mais cara e gera perda de tempo para o brasileiro. Esta é a conclusão do professor de Planejamento de Transportes do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ), Ronaldo Balassiano. “E perda de tempo na viagem é menos tempo com sua família, para lazer, para o descanso, ou para fazer alguma coisa fora do horário de trabalho”, explica.
O transporte é apontado, pela população, como o quarto maior problema das cidades, segundo a pesquisa Mobilidade da População Urbana 2017, publicada pela Confederação Nacional do Transporte (CNT) e pela Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU). A adoção de políticas eficientes de mobilidade urbana será um dos desafios dos governantes a serem eleitos em outubro. A Agência Brasil conversou com o especialista para saber qual avaliação sobre modelo adotado no Rio de Janeiro.
Segundo Balassiano, que leciona no maior centro de excelência em Engenharia da América Latina, o Poder Público não vê o sistema de transporte como um sistema único. Na sua avaliação, o Rio de Janeiro tem um sistema com metrô, trens, ônibus, BRT, VLT, barcas, bicicletas, em que cada operador trabalha separadamente, sem que o poder concedente, que é o Estado, sequer exija essa visão de conjunto.
Balassiano defende uma administração integrada e neutra entre os diversos modais, que não ficasse sob responsabilidade exclusiva de qualquer operadora ou concessionária. Para exercer essa tarefa, que incluiria também a fiscalização dos serviços, o professor afirma que não seria necessário criar nenhuma empresa nova. Bastaria buscar profissionais na própria prefeitura ou no governo do estado que entendam de planejamento e de integração. Essa administração abrangeria não só a integração física dos modais, mas também toda a parte de bilhetagem.
Bilhete único
O professor da Coppe disse que um bilhete único daria ao usuário um leque de opções ao sair de casa, “com um valor que ele tenha condição de pagar”. Essa é a forma utilizada em cidades da Europa e dos Estados Unidos. Sublinhou que não faz mais sentido, no século 21, cobrar tarifas isoladamente, sem ter a visão do conjunto. “A integração é a forma que a gente tem de fazer com que as pessoas sofram menos nos seus deslocamentos, tenham mais prazer em andar pela cidade. E esse sistema funcionando, consegue também reduzir viagens que hoje são feitas de carro, em busca de maior qualidade e conforto”, sinalizou. “Temos como produzir isso com o transporte coletivo”, disse.
Balassiano afirmou que uma cidade pode ser considerada “humana” quando seu sistema de transporte coletivo oferece pontualidade, frequência, segurança, bilhete único e conforto.“Isso a gente não tem em nenhum dos modos [de transporte]”, assegurou Balassiano. Ele admitiu que a mudança para um administrador único, com integração tarifária, não é uma coisa fácil de se realizar “da noite para o dia”, mas é “extremamente viável”. “Não tenho dúvida da viabilidade”, assegurou.
Subsídio
O professor da Coppe/UFRJ destacou que o custo de operação de cada modal de transporte continuaria sendo o mesmo. Em casos extremos, esse bilhete único talvez possa precisar de algum subsídio, “mas é um subsídio quase marginal”. Lembrou que durante a Olimpíada Rio 2016, por uma exigência do Comitê Olímpico Internacional (COI), foi criado um bilhete único, a partir da integração dos vários modais que chegavam às arenas, à exceção somente das barcas. Isso permitiu ao usuário fazer quantas viagens quisesse para assistir aos jogos. Os recursos seriam divididos pelos custos de todos os operadores. “Para isso acontecer, eu não posso deixar a arrecadação nas mãos de operador de ônibus, do metrô, etc. Afinal de contas, aquilo é uma concessão”. Cabe ao poder concedente fiscalizar os operadores e monitorar a realização dos serviços para os habitantes.
Balassiano salientou que todas as tarifas estabelecidas hoje são “tarifas políticas”, não reais. Quando pleiteados, os aumentos de preço das passagens não são, em geral, acompanhados de planilhas atualizadas e verificadas pelas modernas tecnologias que comprovem a necessidade do reajuste. O modelo de sistema integrado de transporte com bilhete único já vigora nas maiores cidades do mundo - lembrou o especialista.
“Você compra um bilhete e anda o dia todo. E essas cidades nem faliram nem estão pobres, nem os operadores estão reclamando”. Balassiano sustentou que o modelo vigente está ultrapassado. “Só não avisaram aos gestores que esse modelo, onde cada um cuida de si, já caducou”. O modelo a ser implantado deve ser bom para o operador e “ótimo para a cidade”, concluiu. Clique no banner abaixo e confira o conteúdo completo na Agência Brasil.
Apesar de investimento no transporte, acesso não é igualitário no Rio
As obras e os investimentos feitos pela União, estado e município do Rio de Janeiro para a Copa do Mundo de 2014 e para a Olimpíada Rio 2016 não mostraram os efeitos desejados em termos de melhoria do acesso da população mais pobre a oportunidades de emprego, saúde e educação. Essa democratização de oportunidades deveria ter ocorrido com a melhoria das redes de transporte urbano, que receberam nos últimos anos investimentos bilionários.
O legado do transporte urbano após os megaeventos esportivos foi tema da tese de doutorado do pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Rafael Pereira, na Universidade de Oxford. Em entrevista à Agência Brasil, Pereira disse que a crise econômica que afetou o estado do Rio logo após os Jogos Olímpicos e Paralímpicos prejudicou ainda mais este legado.
Um desses efeitos foi o aumento do desemprego. Com menos trabalhadores circulando, houve redução do número de passageiros nos ônibus, queda de receita e até falência de empresas do setor. Pereira destacou que, além disso, quando a cidade adiciona nova infraestrutura no sistema de transporte, é necessário reorganizar e racionalizar as linhas de ônibus para não haver sobreposição.
Somados esses dois efeitos – menos passageiros e mudança de linhas e trajetos - ,o pesquisador afirma que “o ganho de acessibilidade que o Rio de Janeiro poderia ter tido não ocorreu, pelo menos no curto prazo”. “Na verdade, entre 2014 e 2017, as condições de transporte urbano de acessibilidade pioraram, apesar dos investimentos. E o que é pior: elas pioraram para as pessoas de mais baixa renda, dos bairros periféricos”, sustentou Rafael Pereira.
Em uma simulação do que teria ocorrido se a cidade não tivesse sido atingida pela crise econômica, a conclusão é que os investimentos feitos em mobilidade teriam contribuído para aumentar o número de empregos e escolas acessíveis à população entre 12% e 14%, em média. “Mas, quando você olha o ganho por faixa de renda e bairros, você vê que os ganhos são muito maiores nos bairros de classe média e alta”.
Aumento da desigualdade
Para Rafael Pereira, quando se faz investimento público, o ideal é que haja alguma eficácia e impacto positivo na melhoria do acesso da população, principalmente para a que mais precisa. “Você expande o leque de oportunidades, expande a liberdade da pessoa em termos das oportunidades que ela consegue acessar em emprego, mais escolas, mais hospitais, mais serviços de saúde. Você expande a área da cidade que é acessível para aquela pessoa, com o mesmo tempo de viagem”.
No Rio de Janeiro, em especial, o pesquisador do Ipea observou que ocorreu o oposto ao impacto esperado sobre a camada mais pobre da população. “E o curioso é que não só foi o oposto do que a gente esperaria do ponto de vista social, mas foi o oposto do que o próprio governo prometeu”. Pereira lembrou que no documento da candidatura da cidade do Rio de Janeiro à sede dos Jogos Olímpicos de 2016, uma das promessas era que a Olimpíada deixaria como legado para a população da periferia gastar menos tempo no trânsito.
O pesquisador deixou claro que os investimentos em mobilidade melhoraram o acesso da população de baixa renda, mas a situação foi ainda melhor para a classe de renda mais alta. “E, em consequência, acabaram aumentando a desigualdade de acesso a oportunidades”. No caso do sistema de transporte público, a igualdade de oportunidades ocorre “no espaço, no chão, no tempo”, indicou. “Para você acessar uma oportunidade, tem que se deslocar xis minutos, xis quilômetros para chegar até lá. E o sistema de transporte público, da forma como foi investido no Rio de Janeiro, aumentou a desigualdade de oportunidades”, reiterou.
Retrovisor x Futuro
Em uma avaliação "ex-post", ou “olhando pelo retrovisor”, conforme definiu Rafael Pereira, a implementação das políticas na área de transporte gerou, em consequência, diminuição de 4,5% do número de escolas públicas de nível médio acessíveis à população, enquanto o número de empregos formais caiu 6%. O pesquisador do Ipea salientou que se não tivesse ocorrido a crise econômica, os investimentos em mobilidade teriam aumentado em 12% o acesso da população à escola e em cerca de 13,5% ao emprego, em média.
Olhando para a frente, afirmou que quando tiver sido concluído o BRT Transbrasil, que ligará o centro da cidade à estação de Deodoro, na zona norte, onde há alta concentração de população de baixa renda, o impacto dessa obra será bastante significativo, especialmente quando se compara com as obras “olhadas no retrovisor”. A simulação feita utilizou dados oficiais da prefeitura carioca.
“Considerando a mesma medida de acessibilidade que a gente estava olhando na avaliação anterior, só o corredor Transbrasil vai aumentar o número de empregos acessíveis à população em torno de 11,3% para cerca de 58% da população da cidade. Então, 58% da população do Rio, na média, teriam um ganho de 11% de acesso a oportunidades de emprego”. Esse dado varia para as faixas de renda.
Metrô
O pesquisador do Ipea chamou a atenção para o fato de os investimentos para a construção da Linha 4 do Metrô atingirem no fim de 2016 e início de 2017 cerca de US$ 3,11 bilhões, contra custo de US$ 480 milhões do BRT Transbrasil. Nesse período, o dólar estava cotado a R$ 3,12. A análise da Linha 4 do Metrô revela que a obra foi muito cara, uma vez que representou uma extensão da linha já existente na zona sul até a Barra da Tijuca, na zona oeste. Além disso, o maior beneficiário desse projeto foi a população de mais alta renda.
Dois motivos explicam isso, segundo Rafael Pereira. O primeiro é a localização. “Você está ligando um bairro rico a outro bairro rico”. O segundo motivo é a questão tarifária, uma vez que o modal metrô não é dos mais baratos na cidade e não existe integração tarifária ônibus/metrô. “No final das contas, a Linha 4 do Metrô foi um dos maiores investimentos que o Brasil fez em termos de transporte público nas últimas décadas e, no entanto, foi o que menos beneficiou a população de baixa renda, que mais precisa de transporte público”.
Para melhorar a situação da população de baixa renda, o pesquisador do Ipea defendeu, no curto prazo, a integração tarifária e a revitalização do sistema de trens urbanos, onde já existe uma rede consolidada, mas faltam investimentos. Somado a isso, existe a necessidade, no médio e longo prazo, como projeta o plano diretor do município, de desconcentrar as atividades econômicas do centro do Rio. Clique no banner abaixo e confira o conteúdo completo na Agência Brasil.
Mesmo planejada, Brasília convive com congestionamentos no trânsito
Cidade planejada, reconhecida como Patrimônio Cultural da Humanidade e símbolo da arquitetura modernista no país, Brasília tornou-se polo atrativo de uma região que cresceu de forma desordenada ao longo dos últimos 58 anos. Com um traçado urbano baseado nos deslocamentos em largos eixos rodoviários livres de semáforos, a capital federal já vive, como demonstram os números, congestionamentos de tráfego que impõem dificuldades para os moradores e desafios aos governantes.
Dados do Observatório Territorial, da Secretaria de Gestão do Território e Habitação, apontam que 41,4% dos deslocamentos para o trabalho são feitos de carro, contra 38% de ônibus e 10% a pé. O metrô, uma opção em uma cidade plana como é a capital federal, responde por apenas 2,6% das viagens de ida e volta para o trabalho.
Paralelamente, pesquisa domiciliar da Companhia de Planejamento (Codeplan) aponta que o número de automóveis não para de crescer. Se, em 2004, 51,7% das residências do Distrito Federal guardavam ao menos um automóvel, em 2015, o percentual já atingia 66,8%. Clique no banner abaixo e confira o conteúdo completo na Agência Brasil.
Cidades médias e pequenas também enfrentam problemas de mobilidade
Congestionamentos de automóveis, superlotação de ônibus, trens e metrôs são realidade em grandes cidades e fazem com que, normalmente, os problemas e soluções de mobilidade sejam direcionadas às grandes metrópoles. No entanto, cidades com menos de 100 mil habitantes, apesar de não enfrentarem essas mesmas dificuldades, também têm na mobilidade um gargalo para seu desenvolvimento, problema normalmente deixado de lado pelo Poder Público.
“Quando você fala em mobilidade, as pessoas pensam sempre em trânsito, ou transporte público lotado, no tempo que se gasta dentro do transporte público com o trânsito, no movimento moradia trabalho no início do dia e final da tarde, dificuldades encontradas nas grandes e médias cidades”, destaca o especialista em mobilidade Willian Rigon, pesquisador sobre do tema e diretor da empresa Urban Systems.
Segundo ele, nas cidades pequenas, os problemas de mobilidade não são menores, mas apenas diferentes. “Você tem outros tipos de problema, que é a falta de acesso ao transporte público, o tempo de demora para o transporte público chegar, a qualidade desse transporte público, porque as frotas antiquadas das grandes cidades são vendidas para cidades pequenas”, destaca.
Se em uma cidade grande, os ônibus passam nos pontos lotados, em uma cidade média ou pequena, o transporte coletivo chega normalmente com lugares sobrando, porém, em frequência menor, dois ou quatro horários por dia. E não há alternativas, como as encontradas em uma capital: metrôs, trens e veículos leves sobre trilhos (VLT). “Cidades pequenas, quando são atendidas por modais de transporte de massa, como metrô e trem, é apenas porque fazem parte de alguma região metropolitana”.
Rigon foi o responsável em 2017 pela pesquisa sobre mobilidade da Connected Smart Cities, uma plataforma que visa a colaborar para que as cidades brasileiras possam tornar-se mais inteligentes e conectadas. O estudo, lançado no ano passado, classificou as cidades de acordo com as melhores soluções de mobilidade e publicou um ranking.
Modelo de Curvelo
São Paulo, Brasília e Rio de Janeiro foram as cidades melhores classificadas, respectivamente. No entanto, a cidade de Curvelo (MG), com cerca de 80 mil habitantes, destacou-se: foi a única com esse porte, e sem ser capital, a figurar entre as dez melhores no ranking geral – as nove primeiras são capitais.
A classificação no ranking leva em consideração oito critérios: proporção entre ônibus e automóveis; idade média da frota dos meios de transporte públicos; quantidade de ônibus por habitante; variedade dos meios de transporte; extensão de ciclovias; rampas para cadeirantes (acessibilidade); número de voos semanais (conectividade com outras cidades); e transporte rodoviário.
O município mineiro foi classificado em primeiro lugar na lista das cidades com melhores soluções para mobilidade, considerando localidades com até 100 mil habitantes. A pesquisa avaliou 500 municípios brasileiros.
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Apesar de melhorias, mobilidade em São Paulo demanda avanços
Apesar de ter apresentado avanços na questão da mobilidade urbana nos últimos anos, como a extensão dos corredores de ônibus, aumento no número de estações de metrô, e a instalação de ciclovias, São Paulo ainda patina em conseguir atingir um nível satisfatório no sistema de transporte urbano.
Motivação primeira das manifestações de junho de 2013, os problemas de mobilidade na capital paulista permanecem até hoje sendo causa de insatisfação da população. Na pesquisa de opinião com os paulistanos, publicada pela Rede Nossa São Paulo em 2017, os aspectos, áreas e serviços de locomoção no município de São Paulo obtiveram nota inferior a 5,5, em uma escala de zero a dez. O tempo de locomoção na cidade recebeu nota 3,4.
Lançado em 2016, o Plano Municipal de Mobilidade Urbana de São Paulo é considerado avançado, mas as gestões municipais não têm conseguido tirá-lo do papel. Entre suas diretrizes está a prioridade aos pedestres e aos modos não motorizados de transporte, bem como ao transporte coletivo.
Também prevê, entre as principais metas, obras dispendiosas, como a construção de 750 mil metros quadrados (m²) de novas calçadas até 2020 e outros 500 mil m² até 2028. Na área do transporte coletivo, estão previstas ainda a implantação de 150 quilômetros de novos corredores de ônibus e 16 terminais até 2020, além de outros 150 km e sete terminais até 2024 e mais 150 km até 2028, totalizando 450 km.
Fundo de investimento
Para o pesquisador de mobilidade urbana do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), Rafael Calabria, o gargalo que freia o avanço na mobilidade está na falta de recursos, ou em investimentos que não se efetivam.
“A mobilidade sofre de não ter nenhuma estrutura pré-organizada para investimento, como por exemplo, o SUS [Sistema Único de Saúde] tem, como a educação tem. A Política Nacional de Mobilidade Urbana [PNMU], aprovada em 2012, coloca essa questão de investimentos como diretriz, como objetivo de política nacional ter que fazer isso, mas ela não traz muito detalhamento”, diz.
Uma proposta, que será apresentada pelo Idec aos atuais candidatos, é a de estruturar, no âmbito federal, a criação de um fundo ou alguma forma de direcionamento de investimentos para a mobilidade, conforme já determina a Política Nacional de Mobilidade.
“A gente precisa organizar o fundo de acordo com a lei federal de 2012 [PNMU] coloca, como organizar os investimentos para conseguir viabilizar obras de corredores, de metrô, e garantir uma maior dinâmica no transporte, e também buscar de todas as formas reduzir o custo da tarifa do usuário, subsidiar um pouco a tarifa para estimular o uso de transporte coletivo”, destaca.
De acordo com levantamento do Idec, dos R$ 150 bilhões disponibilizados pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) Mobilidade, da Copa 2014, apenas 10% saíram do papel. Segundo Calabria, atualmente, com uma realidade diferente nas contas do governo, a Emenda Constitucional 95 de 2016, que limita por 20 anos os gastos públicos, pode também interferir negativamente nos investimentos em mobilidade.
“A emenda limitou os investimentos, então isso é muito grave para as obras de mobilidade. Claro que a prefeitura pode buscar formas mais baratas, como faixa exclusiva de ônibus, ou ciclofaixas, mas nos eixos estruturais de transporte, precisa de um corredor mais robusto”, ressalta. Clique no banner abaixo e confira o conteúdo completo na Agência Brasil.
24 de Agosto, 2018