Músicos amadores criam grupos para reviver antigos sambas esquecidos
Um movimento de defesa do samba tradicional nascido na cidade de São Paulo, no início dos anos 2000, vem se espalhando por outros estados. São músicos empenhados em divulgar a obra de sambistas pioneiros, hoje praticamente anônimos, como Nilton Bastos, Antônio Caetano, José Ramos, Delphino Coelho e Éden Silva. Seus integrantes acreditam que essa é uma página importante da música popular brasileira, mas que está esquecida.
Esses agrupamentos – assim denominados para se diferenciarem de grupos apenas musicais – se apoiam em vasto material de pesquisa para buscar a revaloração do que afirmam ser os tempos áureos da nossa música. Suas fontes são antigos integrantes de escolas de samba, homens e mulheres que fizeram a história desse ritmo e que agora são estimulados a revirar a memória em busca de composições que deixaram de ser cantadas ao longo dos anos.
“A gente se reúne, a gente pesquisa, corre atrás de informações e das composições hoje esquecidas desses grandes mestres que também caíram no esquecimento popular, e tenta traduzir isso em formato de roda de samba”, contou Rafael Lo Ré, 35 anos, fundador do agrupamento paulistano Glória ao Samba, que acaba de completar 10 anos. Continue a ler
Busca dos agrupamentos de samba inclui conversa com a velha guarda
Ledahí Dias Nascimento tinha 14 anos quando, no quintal de sua casa, a Escola de Samba Império Serrano foi fundada no Rio de Janeiro, em 1947. Filha de Tia Eulália, matriarca da escola de samba carioca, Dona Leda – hoje com 85 anos – é uma memória viva das primeiras décadas do samba. Às vezes, a lembrança daquele tempo vem em forma de verso, em um cantarolar saudoso, e, assim, uma melodia esquecida pode fazer história.
A memória de sambistas da velha guarda é o principal material de trabalho do agrupamento paulistano Glória ao Samba, que pesquisa músicas inéditas – nunca gravadas – das primeiras décadas do século 20 e que vivem apenas nas recordações de antigos integrantes das escolas de samba. Mais de 300 canções já foram redescobertas. Depois, elas são tocadas em rodas de samba que fazem homenagem a compositores e escolas.
O trabalho de campo dos agrupamentos, grupos formados de músicos que se dedicam a pesquisar sambas antigos, é um verdadeiro quebra-cabeças. Muitas vezes, uma estrofe é descoberta com uma pessoa e um trecho seguinte se desvenda com outra. “A gente fica estimulando a memória dos sambistas antigos: ‘E esse pedaço aqui?'. Primeiro eles dizem: ‘ah, não lembro’. Mas aos poucos eles vão lembrando”, descreveu Paulo Mathias, integrante do agrupamento. Continue a ler
Rodas de samba dão vida às músicas redescobertas pelos agrupamentos
As músicas redescobertas pelo Glória ao Samba e outros agrupamentos são revividas para o público em rodas, sempre gratuitas, que homenageiam compositores da velha guarda ou escolas. “O que a gente quer é transmitir, da maneira mais fidedigna possível, aquilo que era feito. A gente só coloca na roda quando a gente tem certeza de que o samba é daquela maneira”, disse Rafael Lo Ré.
As músicas são relembradas pelos antigos sambistas e levadas depois para as rodas de samba. De acordo com Lo Ré, às vezes a roda de samba também é feita para acertar detalhes da música diretamente com o compositor. “Nós fizemos um ensaio para poder colocar o samba [do compositor Binha do Salgueiro, que revelou a Lo Ré a canção Em 59, balançamos a roseira]. Eu mostrei para ele pelo telefone a forma em que estávamos cantando e ele deu uma corrigida no andamento”, contou.
Quando o sambista homenageado já morreu, são convidados filhos, amigos e familiares. “A gente faz de tudo para fazer essas rodas e a maneira que a gente tem de agradecer é trazê-los para que eles vejam o trabalho que a gente faz de cantar o samba, a exaltação que é feita aos que produziram aquelas obras”, contou Lo Ré. Djalma Sabiá [um dos sambistas fundadores da Salgueiro] toma esses momentos como celebrações da vida: “Até quando a gente virar saudade”. Continue a ler
Garimpagem leva à descoberta de disco da Portela de 1959 nunca lançado
Os agrupamentos de samba estão construindo vasto repertório de sambas das primeiras décadas do século 20 a partir de entrevistas com músicos da velha guarda. Para divulgar esse acervo, o agrupamento Glória ao Samba criou um instituto para lançar discos e livros inéditos ou fora de catálogo. “A ideia é atingir outras pessoas que não estejam no nosso meio e que possam ter contato, futuramente, com esse samba, com esses sambistas”, explicou Rafael Lo Ré.
A paixão dos cerca de 20 integrantes do agrupamento paulistano pelo samba rende descobertas de músicas nunca gravadas, mas também levou a encontrar um disco da Portela, de 1959, que não foi lançado comercialmente. “Era o unicórnio, o disco mitológico dessas escolas de samba, do selo Festa. Todo mundo procurava, todos os colecionadores, todos os pesquisadores”, relatou Paulo Mathias. A descoberta foi por meio da dona do acervo do antigo selo. O material foi recuperado em fitas de rolo.
“Não tínhamos equipamento para ouvir. Acionamos todo mundo, seria um equipamento da época para poder reproduzir e ver o que tinha lá, um reprodutor de fita de rolo. Conseguimos. Quando tocou, estava eu e o Paulo lá no apartamento, no ateliê, começamos a ouvir. Não acreditei, não consegui me conter”, contou Lo Ré. Continue a ler
Rádio Nacional viveu a história do samba; ouça áudio com Ismael Silva
Os sambas que apaixonam os agrupamentos e fazem seus integrantes subir o morro em busca da memória ainda viva dos sambistas da velha guarda foram compostos nas primeiras décadas do século 20, sobretudo o chamado samba batucado, com marcação propiciada pela invenção do instrumento chamado surdo, o que permitiu o surgimento das escolas de samba.
Parte da história do ritmo pode ser contada por meio das transmissões da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, que foi inaugurada em setembro de 1936. “Na época de ensaios das escolas, nas quadras, a gente na Rádio Nacional dava muita notícia. A rádio cobriu até ensaios nas quadras”, relembrou Alberto Luiz Santos, que desde 1978 trabalha no acervo da rádio, hoje integrada à Empresa Brasil de Comunicação (EBC).
Segundo Alberto Santos, os arquivos históricos disponíveis na EBC datam, principalmente, a partir das décadas de 1950. “Os materiais que temos dessa época do acetato [do início da rádio] são, algumas coisas, de 1948, 1949, mas poucas coisas. Era um material muito perecível.”
Aqui, o repórter transmite resultado do carnaval de 1949, ano em que a Escola de Samba Império Serrano foi a campeã:
Aqui, o radialista Hilton Abi-Rihan entrevista Ismael Silva para a Rádio Nacional, na década de 1970. Um dos mais importantes compositores da história da música popular brasileira, o sambista conta como ocorreu a criação da primeira escola de samba, a Deixa Falar, no bairro do Estácio, em 1928. Continue a ler
05 de Julho, 2018