Da Redação
Reunida na Cúpula dos Povos, evento paralelo à Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, a sociedade civil divulgou um documento no qual faz fortes críticas às instituições financeiras e às nações desenvolvidas que fazem parte do G8 e do G20 e acusa a Organização das Nações Unidas (ONU) de ter sido capturada pelos interesses dessas instituições. Na carta, as organizações sociais presentes na Cúpula também acusam a maioria dos governantes de demonstrar irresponsabilidade com o futuro da humanidade e do planeta.
O documento final, intitulado Cúpula dos Povos na Rio+20 por Justiça Social e Ambiental, Contra a Mercantilização da Vida e em Defesa dos Bens Comuns, foi divulgado hoje (22) e propõe um enfrentamento ao modelo da Rio+20, bem como das resoluções das Altas Cúpulas de Chefes de Estado e Governo.
Há 20 anos, durante a Rio92, a sociedade civil também publicou um documento final que ficou conhecido como Carta da Terra.
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O documento divulgado pela Cúpula dos Povos compara a realidade dos últimos 20 anos e aponta retrocessos significativos em relação aos direitos humanos já reconhecidos. “A Rio+20 repete o falido roteiro de falsas soluções defendidas pelos mesmos atores que provocaram a crise global. À medida que essa crise se aprofunda, mais as corporações avançam contra os direitos dos povos, a democracia e a natureza, sequestrando os bens comuns da humanidade para salvar o sistema econômico-financeiro”, diz a carta que como alternativa propõe a organização e mobilização dos povos. “As alternativas estão em nossos povos, nossa história, nossos costumes, conhecimentos, práticas e sistemas produtivos, que devemos manter, revalorizar e ganhar escala como projeto contra hegemônico e transformador”.
Pontos como a defesa do “bem viver”, da harmonia entre povos e dos povos com a natureza, da solidariedade e do respeito aos direitos humanos são reivindicados em contraposição às ideias de economia verde, endividamento público-privado e ao incentivo ao consumismo.
Ao final, as organizações reivindicam a urgente a distribuição de riqueza e da renda, o combate ao racismo e ao etnocídio, a garantia do direito à terra e ao território, o direito à cidade, ao meio ambiente e à água, à educação, à cultura, à liberdade de expressão e democratização dos meios de comunicação, e à saúde sexual e reprodutiva das mulheres. O documento pede ainda a continuidade da organização e mobilização da sociedade em defesa dos pressupostos do documento final.
Leia o documento na íntegra:
Declaração final
Cúpula dos Povos na Rio+20 por Justiça Social e Ambiental, contra a mercantilização da vida e em defesa dos bens comuns
Movimentos sociais e populares, sindicatos, povos e organizações da sociedade civil de todo o mundo presentes na Cúpula dos Povos na Rio+20 por Justiça Social e Ambiental vivenciaram nos acampamentos, nas mobilizações massivas e nos debates a construção das convergências e alternativas, conscientes de que somos sujeitos de uma outra relação entre humanos e humanas e entre a humanidade e a natureza, assumindo o desafio urgente de frear a nova fase de recomposição do capitalismo e de construir, através de nossas lutas, novos paradigmas de sociedade.
A Cúpula dos Povos é o momento simbólico de um novo ciclo na trajetória de lutas globais que produz novas convergências entre movimentos de mulheres, indígenas, negros, juventudes, agricultores(as) familiares e camponeses, trabalhadores(as), povos e comunidades tradicionais, quilombolas, lutadores pelo direito à cidade e religiões de todo o mundo. As assembleias, mobilizações e a grande Marcha dos Povos foram os momentos de expressão máxima dessas convergências.
As instituições financeiras multilaterais, as coalizões a serviço do sistema financeiro, como o G8/G20, a captura corporativa da ONU e a maioria dos governos demonstraram irresponsabilidade com o futuro da humanidade e do planeta e promoveram os interesses das corporações na conferência Rio+20 oficial. Em constraste a isso, a vitalidade e a força das mobilizações e dos debates na Cúpula dos Povos fortaleceram a nossa convicção de que só o povo organizado e mobilizado pode libertar o mundo do controle das corporações e do capital financeiro.
Há vinte anos, o Fórum Global, também realizado no Aterro do Flamengo, denunciou os riscos que a humanidade e a natureza corriam com a privatização e o neoliberalismo. Hoje afirmamos que, além de confirmar nossa análise, ocorreram retrocessos significativos em relação aos direitos humanos já reconhecidos. A Rio+20 repete o falido roteiro de falsas soluções defendidas pelos mesmos atores que provocaram a crise global. À medida que essa crise se aprofunda, mais as corporações avançam contra os direitos dos povos, a democracia e a natureza, sequestrando os bens comuns da humanidade para salvar o sistema economico-financeiro.
As múltiplas vozes e forças que convergem em torno da Cúpula dos Povos denunciam a verdadeira causa estrutural da crise global: o sistema capitalista associado ao patriarcado, ao racismo e à homofobia.
As corporações transnacionais continuam cometendo seus crimes com a sistemática violação dos direitos dos povos e da natureza com total impunidade. Da mesma forma, avançam seus interesses através da militarização, da criminalização dos modos de vida dos povos e dos movimentos sociais promovendo a desterritorialização no campo e na cidade.
Avança sobre os territórios e os ombros dos trabalhadores(as) do sul e do norte. Existe uma dívida ambiental histórica que afeta majoritariamente os povos do sul do mundo que deve ser assumida pelos países altamente industrializados que causaram a atual crise do planeta.
O capitalismo também leva à perda do controle social, democrático e comunitario sobre os recursos naturais e serviços estratégicos, que continuam sendo privatizados, convertendo direitos em mercadorias e limitando o acesso dos povos aos bens e serviços necessários à sobrevivência.
A atual fase financeira do capitalismo se expressa através da chamada economia verde e de velhos e novos mecanismos, tais como o aprofundamento do endividamento público-privado, o super-estímulo ao consumo, a apropriação e concentração das novas tecnologias, os mercados de carbono e biodiversidade, a grilagem e estrangeirização de terras e as parcerias público-privadas, entre outros.
As alternativas estão em nossos povos, nossa história, nossos costumes, conhecimentos, práticas e sistemas produtivos, que devemos manter, revalorizar e ganhar escala como projeto contra-hegemônico e transformador.
A defesa dos espaços públicos nas cidades, com gestão democrática e participação popular, a economía cooperativa e solidária, a soberania alimentar, um novo paradigma de produção, distribuição e consumo, a mudança da matriz energética, são exemplos de alternativas reais frente ao atual sistema agro-urbano-industrial.
A defesa dos bens comuns passa pela garantia de uma série de direitos humanos e da natureza, pela solidariedade e respeito às cosmovisões e crenças dos diferentes povos, como, por exemplo, a defesa do “Bem Viver” como forma de existir em harmonia com a natureza, o que pressupõe uma transição justa a ser construída com os trabalhadores(as) e povos. A construção da transição justa supõe a liberdade de organização e o direito a contratação coletiva e políticas públicas que garantam formas de empregos decentes.
Reafirmamos a urgência da distribuição de riqueza e da renda, do combate ao racismo e ao etnocídio, da garantia do direito a terra e território, do direito à cidade, ao meio ambiente e à água, à educação, a cultura, a liberdade de expressão e democratização dos meios de comunicação, e à saúde sexual e reprodutiva das mulheres.
O fortalecimento de diversas economias locais e dos direitos territoriais garantem a construção comunitária de economias mais vibrantes. Estas economias locais proporcionam meios de vida sustentáveis locais, a solidariedade comunitária, componentes vitais da resiliência dos ecossistemas. A maior riqueza é a diversidade da natureza e sua diversidade cultural associada e as que estão intimamente relacionadas.
Os povos querem determinar para que e para quem se destinam os bens comuns e energéticos, além de assumir o controle popular e democrático de sua produção. Um novo modelo enérgico está baseado em energias renováveis descentralizadas e que garanta energia para a população e não para corporações.
A transformação social exige convergências de ações, articulações e agendas comuns a partir das resistências e proposições necessárias que estamos disputando em todos os cantos do planeta. A Cúpula dos Povos na Rio+20 nos encoraja para seguir em frente nas nossas lutas.
Rio de Janeiro, 15 a22 de junho de 2012.
Comitê Facilitador da Sociedade Civil na Rio+20 – Cúpula dos Povos